» Os professores, as professoras e a pré-escola

(MARIA LUZITA DE FARIA – PERMITIDO A REPRODUÇÃO DESDE QUE SEJA INDICADA A FONTE)

No Brasil, a defesa da necessidade de instituições pré-escolares cresce a partir da década de 60, intensificando-se nos anos 70. Tratava-se de um período da nossa história em que a educação escolar a partir dos 7 anos já era reconhecida como direito de todas as crianças e, portanto, dever do Estado criar e manter escolas para toda a população dessa faixa de idade. Assim, o ensino de Primeiro Grau, que hoje chamamos Ensino Fundamental, passou a receber um número cada vez maior de crianças. Essa expansão trouxe então outros desafios para a escola.

Um dos problemas que se agravaram nesse período foi o da evasão e repetência nos anos iniciais de escolarização, especialmente na primeira série, caracterizada, naquela época, como início do processo de alfabetização. Essa situação foi então denominada como fracasso escolar. Pesquisando as causas dos altos índices de evasão e repetência, educadores comprometidos com o direito de acesso e permanência de todas as crianças na escola mostraram que as crianças que fracassavam eram as crianças que vinham de famílias de baixa renda, geralmente de origem rural, com pais analfabetos ou com baixa escolaridade.

Uma das soluções propostas à época foi a expansão da escolarização das crianças antes dos 7 anos de idade por meio da então chamada educação pré-primária.
O objetivo da educação pré-escolar era o de inserir a criança no ambiente escolar mais cedo, de modo a melhor prepará-la para a escolarização com ênfase na alfabetização.

Naquele momento, final dos anos 60 e início da década de 70, a educação da criança de 0 a 6 anos surgia como um problema novo nos meios educacionais brasileiros.
Assim, eram raros os cursos de formação de professores que incluíam também
formação para o trabalho em pré-escola. Era, geralmente, o(a) próprio(a) professor(a) formado(a) na Escola Normal para atuar da 1ª à 4ª série do então Primeiro Grau que assumia essa tarefa nas pré-escolas. No entanto, foram criadas muitas pré-escolas que contratavam pessoas sem habilitação
em magistério e com baixa escolaridade. Não havendo uma política de expansão da rede pública, o espaço deixado vazio pelo Estado foi ocupado pela iniciativa privada.

Dessa forma, os custos da pré-escola deveriam ser arcados pelas próprias famílias. Assim, grande parte dessas instituições funcionava sem atender a parâmetros mínimos de qualidade, dentre os quais a contratação de professores(as) habilitados(as).

Verificou-se então a ausência do Estado em criar regras para a atividade. Além disso, não houve a oferta de educação pré-escolar nos sistemas públicos de ensino que atendesse à crescente demanda apresentada pela população. Uma das conseqüências dessa ausência de regras e de políticas para a área da educação da criança de 0 a 6 anos, no que se refere à formação profissional, foi a insuficiência de cursos de formação que atendessem às características específicas das crianças menores de 7 anos em instituições educacionais. De qualquer forma, o profissional que se tinha em mente naquele momento era o(a) professor(a).

Outro aspecto que merece a nossa atenção é a denominação pré-escolar. Era comum referir-se à criança como “criança em idade pré-escolarâ€, ou seja, o que estava em questão era a sua condição de futuro estudante da escola de primeiro grau. Com isto, as atenções voltavam-se mais freqüentemente para as crianças entre 5 e 6 anos de idade, faixa etária caracterizada como preparatória para a alfabetização.

Havia, no entanto, outros grupos preocupados também com a criança nos seus primeiros anos de vida, que era atendida em creches e instituições semelhantes, geralmente ligadas a grupos filantrópicos e a órgãos públicos de assistência social e saúde. Havia também, entre as diversas lutas urbanas que ocorreram ao longo dos anos 70, luta por creches nos bairros e vilas das grandes cidades. Nesse caso, a trajetória dessas professoras, à época chamadas de monitoras, educadoras, dentre outras denominações, foi diferente e envolveu outros elementos.

As professoras e a creche

A década de 70 foi marcada também pela expansão de creches comunitárias e filantrópicas. Essas instituições que se organizaram em espaços disponíveis em  comunidades pobres e  foram criadas geralmente por associações,  igrejas e outras associações filantrópicas. Tais iniciativas eram também parte da política de atenção à criança de 0 a 6 anos, realizada pelos governos brasileiros a partir da década de 60, e funcionavam como alternativas de atendimento em creches de  baixo custo para o Estado.

Para melhor compreender a história dos profissionais e das profissionais de creche, precisamos refletir sobre os objetivos que eram estabelecidos para essas instituições em relação às crianças. Diferentemente da demanda por pré-escola, a demanda por creche nasce justificada não por objetivos relacionados à escolarização, mas às necessidades das famílias, especialmente das mães,
de contarem com apoio no cuidado e na educação dos filhos pequenos, para que elas pudessem trabalhar e complementar o orçamento familiar. Como se pode perceber, não se tratava de objetivos voltados para a preparação da escolarização, de modo a evitar que a criança repetisse ou mesmo abandonasse a escola.

Sem uma definição clara do que era a creche e do que era a pré-escola, as instituições se organizaram de diversas formas: em período integral, em período parcial, ou conjugando as duas modalidades. A faixa etária das crianças atendidas também não obedecia a padrões claramente definidos, atendendo-se crianças desde os primeiros meses de vida até os 6 anos de idade ou mais, sob a denominação creche. Mesmo instituições que funcionavam somente meio período atendendo a crianças entre 4 e 6 anos de idade, em muitos casos, autodenominavam-se creches. Esta era uma forma de ter acesso ao repasse de recursos financeiros por parte de órgãos públicos e de instituições privadas com os quais estabeleciam convênios.

As dificuldades eram muitas, sobretudo no que se referia aos recursos financeiros que permitissem contratar professores(as) formados(as). Preocupadas em oferecer atividades pedagógicas às crianças, as creches buscavam algumas soluções. Por exemplo, quando não existia nem uma professora formada em magistério trabalhando na instituição e não havia condições para contratar, optava-se por destinar os grupos de crianças em torno de 6 anos às educadoras com maior escolaridade. Já no caso das crianças menores e, principalmente dos bebês, vigorou durante muito tempo a ideia de que bastava ser mulher e/ou mãe, gostar de crianças e ter habilidade para os cuidados infantis básicos.

Essa percepção estava fundamentada na ideia de que essa função – cuidar de crianças de 0 a 6 anos – era uma tarefa da família, para a qual não se exigia preparação específica. Partia-se da noção de que a criança somente frequentava a creche em razão de a mãe precisar trabalhar fora de casa e não contar com alternativas. A pessoa que se encarregaria dessa tarefa foi então identificada como substituta da mãe. Talvez creche estivesse vinculada à ideia de atendimento à criança de baixa renda, onde o mais importante era a atenção e o carinho, além da higiene e da alimentação proporcionadas à criança.

Com base em estudos que procuraram compreender o desenvolvimento dos bebês e das crianças pequenas, discutia-se a importância da presença de uma pessoa que oferecesse atenção e cuidados, proporcionando segurança e acolhimento à criança. Destacava-se a importância de que fosse um adulto que estivesse permanentemente, no trabalho, com as mesmas crianças. Isto faria com que as crianças não estivessem a cada dia sob a responsabilidade de uma pessoa diferente. Como, em nossa sociedade, nos acostumamos a pensar que os cuidados e a educação de crianças muito pequenas é uma tarefa exclusiva da família, chegou-se a pensar que o profissional deveria assumir o papel de um substituto da mãe. Um adulto que, na ausência da mãe, desempenharia funções muito próximas às que ela própria desempenhava junto ao(à) filho(a) em casa.

Uma das conseqüências dessa forma de pensar o lugar da criança era o fato de que a creche foi até recentemente vista como uma instituição que somente existiria para suprir necessidades de famílias que não tivessem alternativa, ela teria sempre um caráter emergencial. Com isto, não havia projetos sólidos de atendimento a toda a demanda por educação e cuidado da criança de 0 a 6 anos em creches e pré-escolas.

A outra conseqüência é a de que, com essa visão, a família que utilizava a creche e, principalmente, a mãe eram vistas como incapazes de cumprir o seu papel social de cuidar e educar sozinhas os filhos e filhas. Isso, como se pode esperar, gerava uma desvalorização dos grupos sociais cujos filhos freqüentavam creches. Quanto às mães desses grupos sociais, muitas se sentiam culpadas por deixar seus filhos na creche para poderem trabalhar ou realizar outras atividades.

Essas formas de compreender o papel da creche – como substituta da família – e da professora – como substituta da mãe – foram logo em seguida muito questionadas. Isto porque partiam de uma ideia de que a criança somente podia ser cuidada no seio da família. Procurou-se então mostrar que a família é de fato o ambiente privilegiado para o desenvolvimento saudável da criança. O que não estava correto era supor que a creche deveria substituir a família e a professora, a mãe. Procurou-se, então, mostrar que se tratava de organizar tanto a creche quanto a pré-escola como instituições que acolhessem a criança, oferecendo-lhe cuidados e experiências educativas. Assim, essas instituições deveriam funcionar tendo como objetivo principal o desenvolvimento saudável das crianças pequenas, tornando-se parceira da família na tarefa de socialização das crianças de 0 a 6 anos.

E as pessoas que trabalhavam nessas instituições? Como eram vistas e como se sentiam nesse lugar? Vários estudos, realizados nos últimos vinte anos, procuraram entender essa situação também do ponto de vista das professoras que se responsabilizavam pelo cuidado e educação das crianças pequenas nas creches.

Ouvindo as pessoas que atuavam em creches, constatava-se que também elas tinham uma percepção de que deveriam exercer um papel de substitutas das mães. Geralmente eram mulheres que criavam creches ou mesmo trabalhavam nesses espaços institucionais como voluntárias, responsabilizando-se por grupos de crianças de diversas famílias dos bairros e vilas mais pobres. Mesmo quando era possível haver uma remuneração (geralmente muito pequena) por esse trabalho, era comum não haver registro em carteira profissional nem os demais direitos trabalhistas.

A “confusão†entre o papel da mãe e das então denominadas crecheiras ou monitoras acabava por gerar frustrações. Identificava-se que ambas sentiam-se insatisfeitas: a mãe, por sentir-se culpada por não estar permanentemente ao lado do filho ou filha; o(a) educador(a) por ser chamado(a) a exercer uma função que não era a sua, pois aquelas crianças não eram suas filhas e a creche era um espaço institucional não doméstico. Assim, os papéis ali desempenhados deveriam ser claramente diferenciados do papel da mãe e da família.

Procurava-se demonstrar que, ainda que não houvesse uma legislação que regulasse esse atendimento, havia muitos problemas que se refletiam na qualidade das experiências vivenciadas pelas crianças nas creches e também nas pré-escolas. Um dos aspectos que se referiam à organização geral dessas instituições era o grande número de crianças sob a responsabilidade de um único adulto.

O setor da educação (Secretarias Municipais, Estaduais e Ministério da Educação),  até muito recentemente preocupava-se quase que exclusivamente com as questões escolares, não dedicando grande atenção à creche ou mesmo ao atendimento em período integral, que caracteriza parte das instituições de atendimento à criança de 0 a 6 anos de idade.

Os grupos que lutavam pelos direitos das crianças defendiam, mesmo antes do
reconhecimento legal, que elas tinham direito à educação e não apenas a proteção e cuidados básicos. Defendia-se que esse ou essa profissional fosse um(a) educador(a) e uma pessoa que compreendesse os processos de desenvolvimento humano em seus aspectos social, cultural, psíquico, intelectual e emocional. E, sobretudo, um(a) profissional capaz de proporcionar experiências que favorecessem o seu desenvolvimento integral, o que inclui educação e os cuidados básicos necessários de acordo com a faixa etária das crianças sob sua responsabilidade.

Os diversos elementos que compõem a área da Educação Infantil estão sendo construídos por todos(as) aqueles(as) que se preocupam ou se dedicam ao trabalho com a criança pequena. As pessoas que atuaram e se encontram atuando na Educação Infantil são personagens centrais nessa história de construção da área. Uma das formas de participação nessa construção é a própria realização do trabalho diário, encontrando soluções, desenvolvendo habilidades e conhecimentos a partir de sua prática.

Foi a partir das observações e relatos realizados pelas educadoras, que se encontravam trabalhando nas creches que pesquisadores e pesquisadoras puderam conhecer elementos essenciais do trabalho com a criança pequena em creches e pré-escolas. Essas informações foram organizadas, comparadas com outras experiências e analisadas com base em estudos e pesquisas sobre a criança, a educação, e outros temas que ajudam formular propostas educativas e de formação profissional para a área. Resultam assim em livros e outros tipos de material que orientam a formação de professores(as), a construção de propostas curriculares para a área e muitas outras ações que envolvem a política de Educação Infantil.

Outra forma de participação direta das profissionais que se encontram atuando é o processo de organização e luta por direitos trabalhistas e por definição de uma carreira. Desde o início dos movimentos por creche, uma das principais reivindicações que eram dirigidas aos Poderes Públicos referia-se aos recursos para pagamento de pessoal. Funcionando com pessoal voluntário, grande parte das instituições comunitárias e filantrópicas contava com poucos recursos para remunerar as educadoras. Essas reivindicações eram feitas pelas coordenações e diretorias de creches que demandavam apoio governamental para o funcionamento geral das instituições que atendiam a parcela da população de baixa renda.

Mesmo se tratando ainda de um momento em que não estava claro qual deveria ser o(a) profissional adequado(a) para cuidar e educar crianças em creches e pré-escolas, havia uma luta por reconhecimento dos direitos trabalhistas daquelas mulheres que se responsabilizavam pelas crianças nessas instituições. Além disso, sem os direitos trabalhistas, havia constantes mudanças no quadro de educadoras, o que prejudicava o desenvolvimento dos trabalhos com a criança.

Uma outra questão verificada nas pesquisas e diagnósticos que se realizavam no início dos anos 90 é que parte considerável das educadoras nas creches possuía baixa escolaridade. Ou seja, muitas não tinham sequer o Ensino Fundamental completo (8ª série), tendo parado de estudar na 5ª, 6ª ou 7ª série. Essa situação tornou-se então objeto de debate e de propostas de escolarização e formação profissional, por parte de especialistas da área, de organizações da sociedade voltadas para a questão da infância e, posteriormente, por parte dos Poderes Públicos. No início dos anos 90, já sob a vigência da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tratavam a educação da criança menor de 7 anos nos respectivos capítulos da educação, várias iniciativas foram tomadas com o objetivo de viabilizar processos de formação de educadores(as) para a primeira infância.

Em algumas cidades brasileiras, como Belo Horizonte e São Paulo, os(as) educadores(as) das creches passaram a se organizar para refletir sobre as questões relativas a sua condição profissional. Lutando por reconhecimento social da atividade que exercem, procuraram mostrar a importância do trabalho que desenvolviam e dos conhecimentos construídos ao longo de muitos anos de experiência.

Os(as) profissionais de creche, hoje reconhecidos como professores(as), têm procurado mostrar a abrangência de seu trabalho, que supõe um conhecimento amplo e habilidades para proporcionar à criança experiências enriquecedoras e bem-estar físico e emocional. Para isto, além dos conhecimentos e habilidades necessários para o trabalho diário com a criança, enfatizam a importância da capacidade de promover ações que favoreçam uma relação de compartilhamento com as famílias das crianças e com a comunidade em geral.

Por acolher crianças em uma fase de desenvolvimento de maior dependência do adulto, a creche interage mais intensamente com o meio em que a criança vive. Os(as) educadores(as), em seu processo de organização, têm procurado ressaltar a importância de incorporar essa dimensão ao conjunto das habilidades consideradas necessárias para o exercício profissional. Entendem, como vem sendo defendido pelos especialistas da área, que a relação com as famílias e a comunidade é parte das atribuições da profissão. Dessa forma, não se trata de pensar na relação creche – família ou professor  – pais apenas com o objetivo de resolver eventuais problemas. Ao contrário, é dessa interação que se poderá construir uma relação educativa enriquecedora para a criança, para a creche e seus profissionais e para a família.

Existe uma obra pintada pela artista Tarsila do Amaral no ano de 1925, intitulada “A Famíliaâ€. Nela, a artista homenageia o povo brasileiro. A tela é uma obra figurativa: podemos reconhecer facilmente as imagens. Alguns elementos do quadro – como o cabo de uma enxada ou pá nas mãos de um dos homens, os pés descalços sobre o chão verde, as frutas de cacau no colo do menino ao centro – nos levam a deduzir que esta é uma família de trabalhadores do campo. O olhar sensível da artista pode nos ajudar a desenvolver a sensibilidade necessária para compreendermos as famílias dos alunos com que trabalhamos e nos ajudar a pensar: quais as principais características das famílias das crianças com as quais eu trabalho? Quais os valores, crenças e manifestações culturais próprias a essas famílias?

Ao contrário das visões que consideravam a creche como substituta da família, hoje há uma compreensão baseada na ideia de partilha entre família e instituições educacionais. Grande parte dos(as) educadores(as) de creches e pré-escolas, está voltando para a escola para complementar a escolaridade e adquirir formação profissional na área da Educação Infantil. Isto representa um outro momento da trajetória de constituição do(a) profissional da Educação Infantil, tanto do ponto de vista dos direitos dos(as) profissionais de complementarem a escolaridade básica quanto no que se refere ao aprimoramento do trabalho com a criança.

Todas essas situações são o resultado de um processo complexo de mudança nas formas de se pensar a educação da criança de 0 a 6 anos. E, também, um processo de mudança nas identidades, ou seja, na maneira como os(as) profissionais de creche entendem e definem o próprio trabalho.  Esse processo de construção de identidades, que hoje incorpora como igualmente importantes e integradas as tarefas de cuidado e educação da criança pequena em creches e pré-escolas, não é um processo isolado. É por meio do diálogo com as crianças e suas famílias, com outros grupos e agências sociais que atuam na área da educação, bem como por meio da formação escolar e profissional que as identidades estão sendo construídas.

Há, ainda, um longo caminho a percorrer, uma vez que não existe atendimento público em número suficiente para atender a demanda, nem processos de formação de professores(as) para a Educação Infantil suficientes para habilitar o grande contingente de educadores(as) que já trabalham nas creches e pré-escolas. Além disso, é preciso pensar que a expansão do atendimento deverá contar com um número maior de professores(as) formados(as), o que exige a abertura de cursos de formação para pessoas que desejem ingressar nessa área.

Assim, reconhecendo os avanços já conquistados, precisamos refletir também sobre os imensos desafios da área de maneira geral e, especificamente, sobre os desafios da formação e valorização dos(as) da Educação Infantil na atualidade brasileira.

Do ponto de vista da política de formação de professores(as), é importante pensar que ela é parte das políticas públicas para a área da Educação Infantil como um todo. Deve haver um esforço conjunto dos três níveis de governo – federal, estadual e municipal – no sentido de criar e manter cursos de formação de professores(as) para atuação na Educação Infantil, em nível médio e superior. Essa formação é a chamada formação inicial, aquela que fornece o diploma para o exercício da profissão.

A formação profissional deve ser enfrentada do ponto de vista quantitativo, ou seja, da expansão dos cursos de formação e habilitação de professores, de modo a atender às necessidades de expansão do atendimento em Educação Infantil. As propostas curriculares devem ser construídas com base nos objetivos estabelecidos para a Educação Infantil. Nessa direção, precisam contemplar as duas dimensões que constituem o eixo do trabalho com a criança de 0 a 6 anos: educar/cuidar, entendidas como dimensões integradas da prática profissional em Educação Infantil.

Uma formação de professores(as) com qualidade contempla a pluralidade de perspectivas teóricas, de modo a permitir ao professor e à professora amplo conhecimento das teorias pedagógicas para a primeira infância. Com base nos conhecimentos adquiridos nos processos de formação e a partir da análise da realidade institucional em que estiver inserido, professores e professoras poderão participar dos processos coletivos de construção da proposta pedagógica mais adequada.

A formação profissional, dessa forma, tem como meta a autonomia do(a) professor(a), baseada na capacidade de análise da realidade social do(a) educando(a), de seus processos de desenvolvimento e das condições capazes de promover o seu bem-estar.

A complexidade desses processos exige uma formação teórica sólida em diversos campos do conhecimento, tais como a psicologia, a antropologia, a educação, a saúde, dentre outros.

Um importante aspecto da formação de professores(as) é a consideração de que a prática educativa faz parte das relações humanas e ocorre em diversos espaços sociais, como a família, a escola, as associações etc. Assim, ao ingressar em um curso de formação de professores(as), as pessoas já possuem algumas idéias a respeito do que seja cuidar e educar crianças de 0 a 6 anos. São conhecimentos importantes, mas que precisam ser objeto de reflexão, já que a atividade que será exercida nas instituições de atendimento não é a mesma que ocorre em outros espaços da sociedade. A Educação Infantil é hoje, a primeira etapa da Educação Básica no país. Supõe-se que ali haja objetivos claros a respeito das experiências que a criança vivenciará na creche ou na pré-escola. Tais objetivos serão definidos de acordo com a faixa etária das crianças.  Isto envolve conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil, a cultura do meio em que a criança vive, a organização do espaço e do tempo, dentre outros aspectos que envolvem o cotidiano da instituição de Educação Infantil.

A reflexão sobre essa prática deve ser um dos principais elementos da formação de professores(as) para todos os níveis de ensino. No cotidiano de seu trabalho, o(a) professor(a) constrói formas de agir e também conhecimentos. Refletir sobre eles, melhorando-os, modificando-os e ampliando sua forma de pensar e agir e até mesmo compartilhando suas experiências com outros(as) professores(as) é um importante recurso para elevar a qualidade do trabalho e também a sua satisfação profissional.

Diante da complexidade que envolve o trabalho de cuidar/educar em instituições de Educação Infantil, fica clara a necessidade de pensar a formação em nível médio como uma etapa necessária à habilitação dos(as) profissionais que se encontram atuando. No entanto, temos que lembrar que a legislação educacional brasileira estabelece como meta a formação em nível superior, reconhecendo o que vem sendo apontado por diferentes grupos ligados à educação em geral e à Educação Infantil de modo particular: a complexidade das questões culturais, sociais e pedagógicas envolvidas nos processos educativos demanda uma formação mais longa e aprofundada.

Outro princípio fundamental da formação de professores(as) é o de que ela não pode se esgotar na chamada formação inicial. A realidade é dinâmica e os conhecimentos não cessam de ser produzidos. Torna-se necessário que os(as) professores(as) estejam permanentemente em busca de novos conhecimentos teóricos e metodológicos que possibilitem o aprimoramento de sua prática.

Como uma função de extrema responsabilidade social, a formação continuada se constitui num direito dos(as) profissionais da educação. Formação continuada é aquela que se estende por toda a vida profissional. É através dela que, por meio de recursos e estratégias as mais diversas, o(a) profissional pode avaliar a adequação de sua prática e incorporar novos conhecimentos e habilidades que melhor correspondam às necessidades de educação e cuidado dos educandos no contexto social e cultural em que estão inseridos.

A formação continuada inclui as situações criadas no interior das creches e escolas de Educação Infantil. Pode ocorrer quando são reservados tempo e espaço para reflexão individual e coletiva sobre o trabalho, para estudos, discussões, elaboração de projetos e avaliação. Nesses momentos a equipe de professores e de professoras, coordenadores e coordenadoras, gestores e gestoras têm a oportunidade de propor soluções para os desafios encontrados na prática cotidiana e, ao mesmo tempo, identificar necessidades individuais ou coletivas de formação e aprimoramento profissional.

A formação continuada pode ser realizada também por meio da participação em cursos, seminários, encontros e palestras e outras estratégias que promovam situações de reflexão sobre temas direta ou indiretamente relacionados à educação, ou ainda, situações de enriquecimento cultural do(a) professor(a).

É importante também destacar que as necessidades de formação não são definidas de modo abstrato. Relacionam-se com o contexto institucional e social imediato dos(as) professores(as) e crianças. Ao mesmo tempo, é necessário termos em mente as características da nossa sociedade contemporânea, marcada pela velocidade das transformações e pela multiplicidade de conhecimentos e informações. Esta realidade exige do profissional da educação capacidade para realizar escolhas interpretar informações das mais variadas fontes.

Finalmente, é muito importante lembrar a importância da inserção cultural do(a) professor(a). Não apenas à formação profissional em seu sentido
restrito, ou seja, aquela que possibilita adquirir conhecimentos e habilidades
diretamente relacionados à prática. A formação humana ultrapassa os mecanismos formalizados ou institucionais. Na nossa sociedade, são múltiplos os espaços que nos permitem conhecer, experimentar e expressar sentimentos e conhecimentos, desenvolver uma postura de valorização da nossa cultura e de culturas distantes. Usufruir os recursos culturais da cidade, como cinemas, teatros e museus, dentre outros, são experiências de formação humana do(a) professor(a) e de todas as pessoas. São, antes de tudo, direito de todos os cidadãos e de todas as cidadãs.

Essa pessoa, que decide ser professor ou professora, plenamente inserida na
sociedade e na cultura terá elementos a mais para proporcionar experiências as mais variadas às crianças, concebendo o seu desenvolvimento muito além dos processos cognitivos. Ou seja, relacionando-se com essa criança como um ser inteiro, que já nasce inserido numa cultura e num grupo social de que deverá participar, construir e transformar.

Como já disse, os desafios da formação dos(as) professores(as) não serão enfrentados por setores isolados. Há um esforço próprio do(a) professor(a) nesse processo. Mas uma formação entendida em sentido amplo depende da criação de condições adequadas pelos Poderes Públicos, responsáveis por assegurar uma educação de qualidade a todas as crianças.

Dentre as ações que dependem diretamente do Poder Público está, sem dúvida, a estruturação de processos formais, que ofereçam formação escolar e profissional. Esses processos, no entanto, não são suficientes. Um dos grandes desafios da atualidade é a valorização dos(as) profissionais por meio da estruturação de carreiras nos sistemas públicos de ensino que incorporem o(a) profissional da Educação Infantil, oferecendo-lhe condições de trabalho e salários compatíveis com a importância e complexidade de seu trabalho.

As conquistas na área da educação infantil dependeram de lutas de amplos setores da sociedade brasileira. Professores(as) organizados(as) em sindicatos e profissionais de creche, mesmo antes do reconhecimento legal de sua profissão, já se organizavam e continuam se organizando. Os movimentos de luta por creche existentes em algumas cidades brasileiras, bem como a organização específica dos(as) professores(as) por melhores condições de trabalho e por uma Educação Infantil de qualidade foram e continuam sendo importantes espaços de formação política, social e profissional nessa área: são importantes espaços de formação pessoal e profissional dos(as) professores(as). Ou seja, discutindo, refletindo sobre a atividade que exercem, os(as) professores(as) da Educação Infantil vão definindo: quem somos nós, o que fazemos na área da educação e qual a especificidade de ser professor(a) de crianças 0 a 6 anos. Nesses espaços, professores(as) encontram-se como categoria e, buscando a defesa dos interesses coletivos, formulam propostas e demandas para o exercício profissional que são parte da construção desse campo de atuação.

 

Bibliografia consultada:

CAMPOS, Maria M. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: MEC/SEF/COEDI, Por uma política de formação do profissional da Educação Infantil. Brasília, 1994.

MACHADO, Maria Lúcia de A. (Org.). Encontros e desencontros em Educação Infantil. São Paulo: Cortez, 2002.

Movimento Interfóruns de Educação Infantil no Brasil. Educação Infantil: construindo o presente. Campo Grande: Ed. UFMS, 2002.

ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde (org.). Os fazeres na educação infantil. São Paulo: Cortez, 1998.

SILVA, Isabel de Oliveira e. Profissionais da educação infantil: formação e construção
de identidades. (2.ed.) São Paulo: Cortez, 2003. (Coleção Questões da Nossa Época,

v. 85).