Por Ricardo Bordin
Virou (mais um) motivo de preocupação para os pais de adolescentes a disseminação em escala mundial de um jogo macabro que faria o Jigsaw ficar com inveja: uma espécie de sequência de desafios que culminam com o óbito (voluntário) do jogador. Ambientada nas redes sociais, este versão de “jogos mortais†da vida real instiga os competidores a automutilação, contraÃrem doenças propositadamente, e, na derradeira fase, cometer suicÃdio.
A “brincadeira†começou fazendo vÃtimas entre jovens da Rússia, e já há dois casos cujos indÃcios apurados pela investigação policial apontam claramente para a prática da “Baleia Azul†no Brasil. Em um deles, ocorrido no Mato Grosso, uma menina de 16 anos, a estudante Maria de Fátima da Silva Oliveira, tirou a própria vida saltando dentro de uma represa. Esta era a última “tarefa†determinada pelos sádicos virtuais.
O que mais chama a atenção nesses episódios é a obediência cega dos adolescentes aos criminosos, a ponto de se jogarem do alto de edifÃcios ou na frente de trens em movimento, sem pestanejarem e de bom grado. Jovens estes que, a contrario sensu, não costumam respeitar as ordens de seus pais.
No caso ocorrido em Vila Rica/MT, a mãe percebeu que a filha já não dormia direito e passava as noites acordada com o celular e o fone de ouvido, mas “não sabia o que fazerâ€. Causa estranhamento ela não ter simplesmente tirado o smartphone à força das mãos da mocinha e dado de dedo em sua cara para que fosse dormir de uma vez. Por que será que ela não tomou esta atitude ou empreendeu outra ação corretiva similar – o que seria de se esperar de progenitoras de tempos passados?
Ora, procedimentos como este não são admitidos em nossa sociedade onde o mundo inteiro (especialmente o Estado) dá pitaco em como devem ser criados nossos rebentos. A cultura dominante atualmente reza que não se pode chamar a atenção dos filhos por nada, pois qualquer coisa pode ser enquadrada como “opressão paternaâ€; não se pode, em absoluto, contrariar os desejos dos “senhorezinhosâ€, pois seria bullying caseiro – distorcendo por completo o real significado da palavra.
Os pais são, destarte, convertidos em amiguinhos dos filhos, criando um vácuo de autoridade, que acaba por ser preenchido por qualquer pessoa mal intencionada que se apresente.
Posso lhes afirmar sem medo de errar: eu não entraria neste jogo, em meu tempo de púbere, pelo simples fato de que, se eu aparecesse em casa com qualquer sinal de mutilação deliberada, meu pai “terminaria o serviço†com a bainha do facão e me deixaria de castigo sem jogar bola na praça pelo resto do mês. Valeu, pai! Muito embora, por certo, hoje o senhor seria tachado de “fascista†pelos pseudo-educadores cuja opinião ninguém pediu.
O resultado desta insubordinação generalizada entre pais e filhos é uma geração frágil, que vitimiza-se por tudo e sujeita-se a este tipo de comportamento doentio. Como qualquer desvio de suas vontades é motivo de desespero, gera-se uma linha muito tênue entre a felicidade e a depressão: se tudo está como a pessoinha quer, felicidade irrestrita, a vida é bela, selfies em profusão no Instagram; se, todavia, qualquer tipo de apreensão, tristeza ou desilusão entrar no circuito, já é motivo suficiente para lançar mão da Gillette e da banheira. Nonsense total.
Afinal, só no mundo virtual é possÃvel morrer e começar do zero de novo. Perder contato com o mundo real, portanto, contribui muito para cair nesta armadilha. Cortar a grama e lavar a louça, neste cenário, tornam-se ótimos antÃdotos contra estas doenças psicológicas da era moderna – efeito contrário ao provocado por seriados como 13 Reasons Why, que tratam suicÃdios de jovens com naturalidade demasiada, criando uma áurea cool, uma espécie de fetiche sobre este lastimável procedimento.
Em suma: viver 24/7 em um universo de faz-de-conta apartado da realidade fortalece o relativismo moral, uma vez que os conceitos de certo e errado somente encontram fundamento no mundo fÃsico, onde as consequências nefastas de certos atos podem ser constatadas, visualizadas pelos aprendizes de adultos.
Por fim, o recente enfraquecimento da religiosidade e da fé retirou de inúmeras pessoas a perspectiva do significado da existência. Buscar no racionalismo respostas para perguntas tais quais “de onde viemos†e “para onde vamosâ€, em um estágio da vida onde ainda não usufruÃmos da estrutura psicológica necessária para encarar determinadas verdades,  é um convite à loucura precoce.
Ou seja, esta mistura explosiva de libertinagem dos filhos com afastamento do mundo real mais a ausência de uma crença espiritual abre caminho para que facÃnoras como esses que promovem o jogo da Baleia Azul convençam jovens a causarem danos a si próprios e a, no limite, tirarem a própria vida – ainda que tão somente para demonstrar a seu grupo de “amigos†sua coragem de aderir a esta maluquice.
Depende tão somente dos próprios pais, portanto, blindar seus pupilos, na medida do possÃvel (e do permitido pelas leis que interferem na criação e pela cultura antidisciplinar em vigor), contra este tipo de investida diabólica. Nada que umas palmadas e uns esporros quando necessário, ensiná-los a lavar o carro e a responsabilizar-se pelo cachorro, mostrar-lhes como é bom empinar pipa e andar de bicicleta,  e matriculá-los na catequese não possa resolver. Dar amor e carinho é tão importante quanto mostrar o rumo correto, ainda que seja preciso conduzi-los pelas orelhas e aos prantos. Ossos do ofÃcio paterno.
Se você achava que ser processado pelo próprio filho poderia ser o maior dos seus problemas, eis que aparecem ameaças como estas para mostrar que a série Black Mirror é bem mais realista e menos fantasiosa do que possa parecer.
Pobre geração Baleia Azul, que não conhece a alegria de jogar Salada Mista!