» A CRIANÇA ATRAVÉS DOS SÉCULOS

 

(PERMITIDO REPRODUÇÃO DESDE QUE CITADA A FONTE)

MARIA LUZITA DE FARIA

Minhas filhas entraram em férias e foram com o pai para o interior do Brasil visitar parentes e fugir do nosso friozinho, por motivos profissionais não pude ir junto.

Foram cedo e eu fui trabalhar. Quando cheguei a noitinha a casa estava vazia, não tinha os barulhinhos conhecidos, não tinha mãe quero isso, mãe quero aquilo, mãe ela me bateu, mãe ela brigou e outras tantas. De repente após mais de dez anos de dedicação de mãe, fazendo comida, brincando e cuidando eu me encontrava parada no meio da sala sozinha. No início andei de um lado a outro mas aos poucos fui me reorganizando e corri tomar um delicioso banho quentinho e bem longo, depois peguei uma taça de vinho, aqueci minha cama  e me faltaram braços para: revista, livro, computador e controle remoto, eu queria fazer tudo ao mesmo tempo e uma felicidade me invadia como se fosse criança, o tempo era meu novamente e eu podia fazer o que quisesse. Quando finalmente me acomodei e comecei a folhear a revista vi como se fosse um soco direto em minha face, a foto de uma mãe com duas filhas sorrindo e se abraçando. Neste instante me senti culpada da minha própria felicidade, que mãe era eu que podia me sentir feliz em estar sem minhas filhinhas? Como eu podia ficar alegre com a minha solidão? Fiquei lá olhando aquela foto e sentindo essa dualidade de sentimentos e me lembrando de artigos que já li onde o conceito família e maternidade eram bem diferentes.

Com o desenvolvimento das civilizações antigas, acredita-se que o agrupamento, hoje, conhecido como família, não era embasado nas relações individuais, ou seja, na monogamia. A vida sexual de algumas tribos era intensa e não possuíam parceiros fixos.

A Antropologia entende que, as civilizações antigas eram promíscuas. Os indivíduos da tribo se relacionavam entre si sem a devida reserva que se faz nos tempos atuais, entre pais e filhos, tios e sobrinhos. Com o passar dos tempos cada tribo precisou se relacionar com outras para a própria continuação da espécie e com isso adveio à necessidade de ter um relacionamento mais constante com uma só pessoa.

Tribos espalhadas pelo globo terrestre, ainda nos dias atuais, adotam a poligamia, seja por questões de cunho místico ou para a própria preservação, acreditando ser esta a forma necessária para a continuidade de sua espécie.

Religiões incentivam ou permitem que, ao marido seja dado o direito de ter, segundo a sua vontade, mais de uma esposa, se puder sustentá-la, seja para fins de procriação ou qualquer outra necessidade que precisar ser sanada.

Com o passar do tempo e o desenvolvimento das civilizações, o homem se torna responsável pelo suprimento das necessidades existentes dentro do âmbito familiar. Era o homem quem saia para a caça, pesca e a guerra em defesa da família, enquanto mulher e filhos cuidavam dos afazeres domésticos. Criou-se de forma natural uma codependência entre o homem e o restante dos seus. Possibilitando dessa forma a autoridade paternal soberana no meio doméstico.

Na Idade Média  quando  a criança não precisava mais do apoio constante da mãe ou da ama, ela já ingressava na vida adulta, isto é, passava a conviver com os adultos em suas reuniões e festas. Essa infância muito curta fazia com que as crianças ao completarem  cinco ou sete anos já ingressasse no mundo dos adultos sem absolutamente nenhuma transição. Ela era considerada um adulto em pequeno tamanho, pois executava as mesmas atividades dos mais velhos.  Era como se a criança pequena não existisse. A infância, nesta época, era vista como um estado de transição para a vida adulta.  O indivíduo só passava a existir quando podia se misturar e participar da vida adulta. Não se dispensava um tratamento especial para as crianças, o que tornava sua sobrevivência difícil. Todas as  crianças, a partir dos sete anos de idade, independente de sua condição social, eram colocadas em famílias estranhas para aprenderem os serviços domésticos.  Os trabalhos domésticos não eram considerados degradantes e constituíam uma forma comum de educação tanto para os ricos como para os pobres.

No final do século XVII iniciam–se mudanças relacionadas ao sentimento familiar de maternidade associado à infância devido à grande preocupação com a transmissão de bens. Para Hardy (2001), o maior desafio como mãe neste período passa a ser garantir que pelo menos um dos filhos sobrevivesse até a idade de se reproduzir, para assim preservar a sua ancestralidade, o herdeiro do seu gene. Para obter esta desejada conquista era frequente a centralização dos cuidados com um filho e abandono dos outros para que o escolhido tivesse um desenvolvimento com êxito, mostrando desde então uma grande preocupação com a qualidade dos cuidados.

            O primeiro sentimento que surge em relação a infância é a “paparicaçãoâ€. Ele surge no meio familiar, na companhia das crianças pequenas.  As pessoas não hesitam mais em admitir o prazer provocado pelas maneiras das crianças pequenas, o prazer que sentem em paparicá-las.  Com o tempo esse hábito expandiu-se e não só entre os bem-nascidos  mas, também, já junto ao povo ele pôde  ser observado. A criança por sua ingenuidade, gentileza e graça, se torna uma fonte de distração e de relaxamento para os adultos.

Esse hábito provoca reações críticas as mais diversas. No fim do século XVI e sobretudo no século XVII, alguns consideravam insuportável a atenção que se dispensava então às crianças. Exasperavam-se com a maneira como paparicavam as crianças. Esse sentimento de exasperação era tão novo quanto a própria paparicação.

O segundo sentimento da infância a surgir e desenvolver-se foi a tomada de consciência da inocência e da fraqueza da infância. Este veio de uma fonte exterior a família. Foram os eclesiásticos, os homens da lei e os moralistas do século XVII que primeiro deram-se conta da necessidade de uma atenção especial a infância. Eles recusavam-se a considerar as crianças como brinquedos encantadores. Viam nelas, frágeis criaturas de Deus que era preciso ao mesmo tempo preservar e disciplinar. Esse sentimento depois passa para a família. No século XVIII a família passa a reunir os dois elementos antigos associados a um terceiro e novo elemento: a preocupação com a higiene e a saúde física.

Esta aproximação pais crianças, gerou um sentimento de família e de infância que outrora não existia, e a criança tornou-se o centro das atenções, pois a família começou a se organizar em torno dela.  No início do século XVII, foram multiplicadas as escolas com a finalidade de aproximá-las das famílias, impedindo desse modo, o afastamento pais criança. Neste século também foi criando para a criança um traje especial que a distinguia dos adultos.   

Desenvolveu-se neste período uma nova imagem da mulher com relação à maternidade, o bebê e as crianças transformaram-se nos objetos da atenção materna “A devoção e a presença vigilante da mãe surgem como valores essenciais” (MOURA e ARAÚJO, 2004,p.47). Com a ampliação das responsabilidades maternas obteve-se uma valorização, através do respeito, da mulher mãe. Porém, Grant (2001) ressalta que este respeito e admiração restringiam-se ao campo da vida doméstica, ou seja, “é a educadora dos filhos, é a rainha, mas uma rainha sem voz no campo da vida pública – a esta é negada a independência intelectual e econômica” (p.3).

A mulher passou a assumir além das funções relacionadas aos cuidados essenciais à sobrevivência, a tarefa de educadora e, muitas vezes, a de professora. À medida que aumentava as responsabilidades maternas com relação aos filhos, aumentava o sentimento de sacrifício materno em relação a estes e à família, criando um modelo social, incentivado pelo discurso médico e filosófico da época, de como deveria fazer uma mãe (MOURA e ARAÚJO, 2004).

Assim se por um lado às novas responsabilidades da mulher conferiam-lhe um novo status na família e na sociedade, afastar-se delas trazia enorme culpa, além de um novo sentimento de “anormalidade”, visto que contrariava a natureza, o que só podia ser explicado como desvio ou patologia (MOURA e ARAÚJO, 2004, p.47).

A Maternidade na contemporaneidade compõe-se de grandes polêmicas e posições contrastantes, embora ofereça condições que amparam a mãe nos cuidados com o bebê o que implica na facilidade, pelo menos aparente, de desenvolver a função materna, as condições de vida na atualidade tendem a colocar em choque a visão tradicional, do que se espera da atividade materna, com as condições atuais da mulher na sociedade e na família.

Hardy (2001) aponta que ser mãe na contemporaneidade traz questionamentos sobre o que é ser mãe. A sociedade atual gera conflitos por não saber qual posição tomar diante da maternidade e do que representa esta, pois em vez de simplificarem a maternidade, essas novas escolhas expuseram tensões sobre pressupostos tradicionais sobre o que deveriam ser as mães.

Era este momento que eu me encontrava com sentimento de culpa por estar  tão feliz de finalmente ter um tempo para minhas necessidades pessoais e viver como uma mulher adulta dona do seu tempo.

Foi aí que eu pensei, sabe vou pegar este telefone ligar para elas e dar boa noite, e foi o que eu fiz, depois terminei meu vinho, escovei meus dentes e fui dormir programando minhas próximas noites de solidão divertida e conclui definitivamente que não tenho que ter nenhum sentimento de culpa.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro:    Editora Guanabara, 1981.

FAZOLO, Eliane; CARVALHO, Maria Cristina; LEITE, Maria Isabel; KRAMER, Sonia. História e política da educação infantil. Sonimar C. de Faria; in:  Educação infantil em curso. Rio de Janeiro: Editora Ravil, 1997. (p. 09 a 37).

Referências

WALD, Arnoldo. O Novo Direito de Família. 14 ed.  rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.

DUARTE, Luiz Fernando Dias. Família em Processos Contemporâneos: Inovações Culturais na Sociedade Brasileira. São Paulo: Loyola, 1995.

ACKERMAN,  Nathan W. Diagnóstico e tratamento das relações familiares. Tradução: Maria Cristina R. Goulart. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

COMAILLE, Jacques. A Nova Família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

MARCONI, Marina de Andrade. PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2001. 

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei n° 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

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